Tira a
roupa negra da missa e tenta vestir mais uma vez o vestido de flores de sua mocidade, que já se desfaz nas bordas. Pega uma caixa de costura
antiga que guarda no armário e tira de dentro a foto de um homem com seus 32
anos, cabelos bem penteados, terno, gravata e óculos fundo de garrafa. Aperta a
foto contra os grandes seios, beija toda a foto já danificada com as marcas do
batom. Vai até a escrivaninha, pega a agenda telefônica, na letra D, Diógenes.
Disca e deixa chamar. Atende uma voz rouca. Desliga. Vai até a cozinha pegar um
copo de água para tomar o remédio. Senta-se na cadeira e desaba, chora. As
pernas apertadas pelo vestido apontam veias grossas e azuis. Se queixa de
reumatismo e hipertensão. A casa onde vive é escura, de apenas quatro cômodos:
cozinha pequena, sala apertada que cabe um sofá e uma estante para a televisão,
um quarto e um banheiro. Nas paredes da casa, santos por todos os lados, taco
mal encerado. Na estante da televisão, uma foto amarelada de quando criança e
uma de seu falecido marido. Não teve filhos, nasceu com um problema no útero.
Ao fim de cada choro, se cansa. Deita-se no sofá da sala já impregnado de seu
cheiro, liga a televisão e coloca no canal onde um homem com uns óculos
intelectuais fala sobre novelas e a vida de pessoas famosas. Adormece.
Já é noite. Acorda e percebe que dormira toda tarde. Vai
até a cozinha, bebe um copo com água com mais um comprimido. Sente vertigem,
quase desmaia e apóia-se à mesa. Coloca uma das mãos na cabeça e pensa estar
sofrendo um novo ataque. Senta-se lentamente na cadeira e espera passar o mal
estar, com a cabeça entre os braços apoiados na mesa. Passado, vai até a
geladeira e constata que se esqueceu de comprar a carne para a sopa desta
noite, come pão velho com queijo derretido na chapa. Já são quase onze da noite,
não tem sono. Pega a bíblia e inicia a leitura pela enésima vez. O telefone
toca. É o sobrinho de seu falecido marido dizendo que precisa passar um tempo
na cidade para estudar, pede para ficar em sua casa por uns tempos, mesmo que
tenha que dormir naquele sofá. Ela não o recusa e faz o mesmo discurso para
falar se sua vida miserável, olhando para o sofá e pensando num lençol para
forrá-lo. O sobrinho chegará ao próximo mês. Precisa arrumar a casa para uma
boa impressão. Não consegue dormir bem o resto da noite. Acorda cedo e vai até
o açougue comprar a carne da sopa. No açougue, escuta um boato de que o padre
estaria tendo um caso com uma mulher. Lembra-se da calcinha deixada atrás do
São João Batista. O açougueiro ao perceber sua presença, pede discretamente
para que os outros mudem de assunto. Dois quilos de carne moída.
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