domingo, 5 de maio de 2013

Vidro Embaçado

Não se pode ir ao centro do quarto. A primeira tentativa foi bloqueada por uma gigantesca teia de aranhas, várias espécies, desde as pequenas às maiores que estavam lá em algum lugar. É quando se descobre que ali passava um rio. Não se pode ir ao centro do quarto. Lá, um cortejo passa seguido por meninos que brincam de soldados. É o cume, vê? Nele aponta a graça de um horizonte descascado nas paredes, se perde. Nem lasca de pedra consegue raspar os finos tecidos desta teia. Aquele vidro embaçado de ilusão, descoberto, não acaba. Nem uma janela por onde a cabeça possa passar. Anjo Exterminador. É quando se descobre que ali passava um rio. Destreza impecável das aranhas, arquitetura infalível, doce. Abrindo espaços na teia, um rio cristalizado e preso, como se virasse gelo, preso cada partícula. Lá estavam também os peixes cristalizados como ornamentos em presépio, num tom azulado e tétrico. O centro do quarto inatingível, fechado por uma cortina transparente tomada de pequenas mortes. É preciso ir até lá, atravessar esse rio estático, desbloquear os peixes já sem órgãos, cheios da saliva venenosa que lhe dá a ilusão de um eterno sono. Ir ao centro do quarto.

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