quinta-feira, 30 de maio de 2013

rum rum

imagine-se na rua cantarolando
um rum rum rum qualquer
esqueça

sábado, 25 de maio de 2013

Giz

Tiro de dentro daquela bruma água um giz
talo branco encharcado nunca viu sol
destroço suas partes delineando ervas
Couraça romã que de sol se despe

Seguimento branco, branco, branco
risco

Anulo com as medidas o já me é
toco a campainha da tarde
e o giz que invade louco
já não me sobra

o branco nas minhas mãos
é mais volume que a erva

devolvo ao rio o barro áureo
e nele faço a minha própria armadilha

me desfaço na nascente
e me prendo nela a vontade
atado em risco
tangido em giz.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Não amanheceu.
Esperei que viesse
Não veio.
Esse gramado gris
onde a antena repousa.
Não veio o gozo enfim
De um dia que ficou
pela metade,
A água na caçarola
ainda fria
O fogo não atingiu o ápice
Tal rastro não se desfez
no comando dos ventos
Não despencou conforme
as horas
indiferente à gravidade.
O som congelado
num poema
que não ebuliu.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

domingo, 5 de maio de 2013

Dia de Despedida

A cama ainda com suas bagunças. Papeis desenhados, escritos, caligrafia de quem se encanta com as palavras escritas, onde a personalidade está amadurecendo nos traços tortos das letras. Jogos, brincadeiras com a palavra "abracadabra", 1, 2 e 3, pé de cabra. O pé de limão e a cabra fiz agora há pouco. Está aqui. Há tantos poucos minutos essa cabra magra sob um sol quente e seu dono de botas grandes se fazia sob o olhar de quem espera pra completar a brincadeira e depois ser gatinha miando pela casa, caindo no meu colo, brincando com o cachorro que tudo entendia. 

Há poucas horas no cinema, um conjunto de símbolos que a faziam mais próxima, encostando a cabeça nos meus braços e abraçando-os, sabíamos desse momento compartilhado em frente a tela grande que não era maior que estar juntos, rir juntos, emocionar por algo que falava da distância que era nossa visita de hoje a noite. 

Um copo de amor deu-lhe a noite tranquila, quando o nariz escorria e os olhos ardiam. Antes as histórias de um livro que éramos nele as personagens. Numa frase engraçada, viro o rosto e vejo o seu já dentro dos sonhos, aqui, bem perto. Que momento é esse? Isso não é cinema, literatura ou qualquer outra coisa, era real e o tamanho não se mede, só um choro que vaza aquilo que não cabe. Luz apagada, noite tranquila, acordar de madrugada pra cobrir um pequeno corpo que sentia frio e ser tranquilo novamente o sono, sendo o dela agora aquecido e protegido. 

Não, não era o que a gente queria das horas, pernas largas de ponteiros que galopam no mesmo ritmo da saudade.

Despedir é soltar do peito o mesmo passarinho do livro, sentir o vazio que agora grita seus gestos e seu piado aqui na memória dos cômodos.

É, a vida é essa, grande de amor. Minha filha viaja amanhã bem cedo, dorme hoje na casa da avó. E o que fica, além de tudo, é um "tchau pai" cheio de lágrimas e a cama a esperar por outras noites e histórias juntos. A saudade já começa a mostrar seus grãos brancos na palma da mão, cheia deles como num céu de estrelas que tocaram carinhosamente aquela pequena grande menina que tem aí uma vida inteira e o pai que sou a aprender com ela.




Vidro Embaçado

Não se pode ir ao centro do quarto. A primeira tentativa foi bloqueada por uma gigantesca teia de aranhas, várias espécies, desde as pequenas às maiores que estavam lá em algum lugar. É quando se descobre que ali passava um rio. Não se pode ir ao centro do quarto. Lá, um cortejo passa seguido por meninos que brincam de soldados. É o cume, vê? Nele aponta a graça de um horizonte descascado nas paredes, se perde. Nem lasca de pedra consegue raspar os finos tecidos desta teia. Aquele vidro embaçado de ilusão, descoberto, não acaba. Nem uma janela por onde a cabeça possa passar. Anjo Exterminador. É quando se descobre que ali passava um rio. Destreza impecável das aranhas, arquitetura infalível, doce. Abrindo espaços na teia, um rio cristalizado e preso, como se virasse gelo, preso cada partícula. Lá estavam também os peixes cristalizados como ornamentos em presépio, num tom azulado e tétrico. O centro do quarto inatingível, fechado por uma cortina transparente tomada de pequenas mortes. É preciso ir até lá, atravessar esse rio estático, desbloquear os peixes já sem órgãos, cheios da saliva venenosa que lhe dá a ilusão de um eterno sono. Ir ao centro do quarto.

sábado, 4 de maio de 2013

Viajando as Vacas

Escrever é ler. Isso. Uma cena, como pode existir nas palavras? Como elas conectam a memória, a fala, o tom, os gestos? Imagine uma escola pública no interior. Aqui é tarde, quase cinco. Sábado calmo, algumas crianças brincam de cartas no passeio lá fora, nessa rua tranquila com pouco tráfego. O que escuto agora é um zumbido de moto, janelas se abrindo, cachorros ao longe e o palavrão das crianças que brigam por causa do jogo. Há algo que não posso entrar, escrever. Não sei o que é. Toda essa tarde, fuga das horas, não completa, não é. Busco nas janelas dos prédios vizinhos alguma pessoa e parece que estão todos vazios, o que devem fazer uma hora dessas? Televisão, internet? Podem estar jogando buraco, algo assim, ou falando no telefone ou enviando e recebendo mensagens. Ou mensagem nenhuma chegou e sobra a cama a oferecer o teto pra olhar, enquanto o tempo passa. Apitou alguma coisa no celular, promoção de créditos. A cozinha limpa, o almoço guardado pra janta. Um pão lambuzado de manteiga acompanhado por um café de mais cedo, sozinho. A cidade. Onde está a cidade? Nas rodovias e na certeza de uma segunda-feira de trabalho. Amanhã, domingo, o que farão? Era sol da manhã num dia bem frio. A arquitetura daquela escola fazia sombra numa parte da escada onde vários meninos sentados liam contos infantis para a avaliação de leitura. Alguns conseguiram uma parte onde batia o sol, outros se queixavam do frio na sombra e uma menina que não lia bem ensaiava sua leitura como se depois de cada palavra houvesse uma vírgula, pausava, pausava, numa dificuldade. Aquela escada é a que dá para a sala da diretora, ninguém gostava, e na mesa dela a professora esperava corrigindo algumas provas até o momento de chamar a primeira criança. O tempo era suficiente pra ler mais de três vezes cada conto, a não ser aquele cheio de vírgulas que a menina não conseguiu ler uma vez sequer. Um menino lia seu conto e sua parte preferida era a que falava de um vaqueiro que ficava viajando as vacas. Viajando as vacas... Como era viajar as vacas? Imaginava o vaqueiro feliz levando suas vacas para passear entre as montanhas, dias de caminhada com todo rebanho de vacas, passando por lagoas, rios, até chegar ao litoral, onde as vacas já estavam, cada uma, de óculos escuros. Lia bem. A professora chamou o primeiro, o segundo... De lá podia ouvir as histórias todas enfatizadas em suas pontuações, importando apenas ler bem. Na sua vez, a sala era ainda mais fria que lá fora na sombra e a mesa enorme com muitos papéis, mesa de madeira grossa, pesada. Começou a leitura sob as lentes dos óculos da professora baixinha que quase desaparecia atrás da mesa e da papelada. Na sua parte predileta, deu um grau à frase onde o vaqueiro viajava as vacas. A professora que acompanhava o conto com outra cópia nas mãos, corrigiu: "vigiando as vacas".