domingo, 31 de março de 2013

Amor rompe na palavra
És que ser, malogra-se ama.
Rumorincertos
desviasempre quase

Trinca no
abismaberto
ondagulha 
esgotoeco
o eco
o eco



Duas Montanhas



De um lado peças
descartadas
de um jogo
Do outro, livros
que me descontam
os signos

a noite
passagem
De uma solidez intacta

Cabeça que se chocou
Na pasta líquida
De um rio.

sábado, 30 de março de 2013

Bolhas de Sabão

As histórias do mundo poderiam ser escritas por crianças. Imagina a narrativa de uma história da bolha de sabão por uma criança! Uma epopeia onde o herói ou a heroína é uma bolha, bom, uma bolha não tem sexo, melhor assim. Várias bolhas! Umas pequenas outras maiores a debruçar sobre o vento. Nenhum dos heróis da história conseguiu debruçar sobre o vento com a destreza de uma bolha de sabão. O que é uma história de guerra perto do que fazem as crianças ao correr tentando alcançar as bolhas lançadas à imprecisa teia dos ventos? Nenhuma bomba se compara a uma bolha estourando, fragmentada ao toque ingênuo da brincadeira. Não se pode crucificar uma bolha, ela se esquiva tão sábia, tamanha a sua fragilidade. Na igreja, se trocassem os santos por bolhas de sabão, a fé seria essa película fina de quase nada, que se desloca ao acaso. Deus, uma transparência que reflete o mundo na sua delicadeza sem ser maciço e certo, sem ocultar nenhum plano, nenhuma visão e que, por um descuido, se desfaz por completo esse guarda nada dentro.
Se as crianças pudessem escrever as histórias do mundo, talvez seríamos assim leves, soltos ao acaso, transparentes numa brincadeira de vento, de brisa, de quase nada. O mundo seria visto no através, ele que é o que não pode as palavras.



http://www.youtube.com/watch?v=HW5zb2nLs8w

sexta-feira, 29 de março de 2013

Uma criança chora aqui no prédio. Lá fora toca Alcione e as luzes das casas me soltam pra dentro de nada. Um ruído de carro atravessa esses sons pendurados como delicadas conchas em cortinas na porta. Pra quê serve escrever? Jogar essas faíscas de pequenas pontas agrupadas no infinito branco onde nele se perde e se torna rocha desfigurada como areias numa praia vazia, pra quê serve? Obedientes, como a um frade, faz as mãos sua oração na tentativa de cerzir redes abertas nas caldas de uma água viva. Frios fios acumulam no centro a expectativa das ondas. Escrever não é como cortas as unhas, nem pentear os cabelos. É aparar as raízes que saem dos poros quando dentro não há mais espaço, tal como a criança que chora. O choro é o corpo esgoelado de lágrimas, torcido, frágil. Tal como a Alcione esgoelando em caixas e abrindo o apetite dos copos, pedaços vazios contendo o nada, preenchidos pela vontade que ninguém grita e precisa ser comportada nessa grade inteiriça que acomoda os líquidos. Tal como as luzes das casas que enfrentam a noite e ameaçam o silêncio que alarga na forma de palavras.

O Ontem


Na mesma sala, as mesmas sombras do ontem.
O comportar das almofadas, o pano meio solto no sofá.
O café frio dentro da garrafa do ontem e
Um pregador de roupas misturado a tudo
Por cima da mesa de quatro lugares aéreos.

Da janela, a tábua reta de uma paisagem sem gosto.
As mesmas plantas nos seus suspiros verdes,
De raízes acomodadas em vasos “utelares”.

Nesta tábua, antenas e luzes do ontem,
O mesmo assovio,
Ladrões sustenidos no corpo da mesma
Sinfonia conversam.

A rama seca dentro da fechadura
Deixou em teus galhos
Ninhos de pássaros mudos.

A chave não toca.
O ranger da porta é vácuo de passos.

Chegou.

Pesa nos passos o modo que me deixa.
Joga na mesa a chave que me fecha.
Abre na geladeira o frio de uma falta.
Pede por um beijo um corpo que não sente.