Chuva ocupa o espaço. Uma cortina de gotas.
O vento, tal como o que antecede as palavras, está no gesto, o olhar, no nervo que contrai buscando o sopro que logo sairá nos tons erguidos da fala, assim ele anuncia a chuva.
Chuva é o espaço dizendo espaço nas suas lacunas, quem não se protege se molha de espaço. São as vagas que molham, no ventre do entre, arranca palavras, faz correr a gente pra debaixo do toldo verde. Conversas molhadas nascem.
o pingo
go
teja
sem trégua
num texto re
lido
telha
de zin
co
teto
reto
te
ta
colo
nial
não soa o sino
porém o toca
seus próprios sinos encontram o limão pequena esfera descendo seu suco no avesso da cas
ca
A chuva não se opõe à queda. Chuva é o que chove, pensamento chove, corpo chove pra dentro da terra. É de chuva os rios, as árvores, a vida é chuva que molha dentro. A música é chuva e chuva música do tempo no instrumento do espaço. Temporal é ronco de chuva, estrondo que cai em grossas gotas, ampliando o corpo de toda tormenta, fecham as janelas ou deixam entrar, cobre a semente que faz nascer um corpo imenso que nos espalha e nos leva para ser mundos, nossos silêncios desconhecidos de fronteiras, água corrente absoluta em travessias.
Não terá a chuva nos ensinado a escrever? A Chuva reinaugura os objetos e as coisas como faz a escrita. Reinaugura o templo de Ártemis e os manuscritos de Heráclito e também as sandálias de cobre daquele que sumiu. Ecoa no chiado intermitente a cera derretida das asas de um herói e nos cantos louvados junto às ramas de milhos que escondem a terra. Experimentamos num só tempo o corpo da mesma chuva.
Agora há pássaros se protegendo em galhos para depois - como há muito - nos lembrar que este é um lugar de todos, uma voz que nunca se cansa.