domingo, 30 de março de 2014

Toda palavra depois se molha

Chuva ocupa o espaço. Uma cortina de gotas. 

O vento, tal como o que antecede as palavras, está no gesto, o olhar, no nervo que contrai buscando o sopro que logo sairá nos tons erguidos da fala, assim ele anuncia a chuva.

Chuva é o espaço dizendo espaço nas suas lacunas, quem não se protege se molha de espaço. São as vagas que molham, no ventre do entre, arranca palavras, faz correr a gente pra debaixo do toldo verde. Conversas molhadas nascem.

o pingo
go
teja 
sem trégua
num texto re
lido 
telha
de zin
co
teto
reto
te
ta
colo
nial
não soa o sino
       porém o toca
seus próprios sinos encontram o limão pequena esfera descendo seu suco no avesso da cas
ca

A chuva não se opõe à queda. Chuva é o que chove, pensamento chove, corpo chove pra dentro da terra. É de chuva os rios, as árvores, a vida é chuva que molha dentro. A música é chuva e chuva música do tempo no instrumento do espaço. Temporal é ronco de chuva, estrondo que cai em grossas gotas, ampliando o corpo de toda tormenta, fecham as janelas ou deixam entrar, cobre a semente que faz nascer um corpo imenso que nos espalha e nos leva para ser mundos, nossos silêncios desconhecidos de fronteiras, água corrente absoluta em travessias.

Não terá a chuva nos ensinado a escrever? A Chuva reinaugura os objetos e as coisas como faz a escrita. Reinaugura o templo de Ártemis e os manuscritos de Heráclito e também as sandálias de cobre daquele que sumiu. Ecoa no chiado intermitente a cera derretida das asas de um herói e nos cantos louvados junto às ramas de milhos que escondem a terra. Experimentamos num só tempo o corpo da mesma chuva.

Agora há pássaros se protegendo em galhos para depois - como há muito - nos lembrar que este é um lugar de todos, uma voz que nunca se cansa. 



sexta-feira, 28 de março de 2014

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água cau ságua causa águ acau sai nér ciágua 
cau sagu aca usa in ér ciá gua caus a inérci a

quinta-feira, 27 de março de 2014

Fantasma

Fantasma é fumaça desatenta
Que não se olha, nem se orienta
Na capela o sino surdo
O corpo mudo de espera
Que deseja que a noite arda
Que o sal da praia invada
O desejar secreto
das pequenas conchas
Ao perceber a tarde
Se orienta e se invade
De gotas do mar
Fantasma é corpo
É alma que não se sabe
Um dia de pele, oco
Buscando o bronzear da tarde.


Para Shima

Caminha

Caminha que teu dorso é só
E se consome, auguro do tempo
Caminha e deixa teus pés
Como faíscas do presente
Caminha e leva tua carga
Que te constrói as provas
Caminha a resistência
De uma gravidade
Mesmo que volte, caminha
Caminha a terra,
Ofício das noites
Caminha a larva,
Desejo de reduzido porte
Caminha,
Teu céu,
Ventura dos homens,
Abertura de invulgar culatra.