quinta-feira, 18 de julho de 2013

Vó Zenir



A “mamma” de sempre, generosa e forte. Já com suas perdas que a deixam olhando um lugar que janela adentro, passeando os dedos nos desenhos dos forros de mesa ou nas marcas da pedra do balcão onde as vasilhas limpas secam, numa caminhada difícil com pernas de mais de 80. Ainda a preocupação, os filhos não cresceram, as filhas se tornaram parte de seu vestido gasto de rosas quase apagadas. O arroz dela, que meu pai diz ser o melhor, unido, como todos devem ser. A risada, ainda. A palavra forte, ainda. O sabão feito em casa, ainda. As couves da horta, junto aos pepinos, cheiros verdes. A farinha misturada ao óleo da sobra para alimentar as galinhas, ainda. E não é tarde. Mesmo que a rua já é quase um abismo sem ponte, ainda se ocupa de seu espaço cheio de veias doando seu sangue aqui, nas casas de inúmeros filhos. Deseja uma conversa com o padre, pra dizer de um tormento de um fio rompido e que se escutou na particularidade do rompimento um grito dentro de uma cabaça. A memória da casa na fazenda, dos muitos filhos, do casamento, tudo se espelhando roxo e branco, depois verde, amarelando num maracujá que traz às mãos. Um olhar surdo pro mundo, quase canta: “que fruta bonita!” E nossos olhos são as belezas do maracujá. O mundo despenca oco no chão, são os braços fortes de quem viveu mais que a gente.



segunda-feira, 15 de julho de 2013

Tecendo a Manhã

João Cabral de Melo Neto
1.
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Sem Ponto

Voltar.
voltar não tem ponto
nenhum caminho é ponto
nenhuma palavra
nem estrada
não há pausa
cessar não existe
Voltar
Enxugar da terra os olhos
ter as mãos e das mãos
o círculo negro
esfera polida
desce
íngreme ladeira
sem volta
Voltar
Vou
Vai
Estar
Altar
corrigido em forros
malha dedicada
tecida, talhada
faz teia
e dilacera
o tempo amarelo
de um passar
de fios
Fios
Vejam
Fios
Vão
Voltam
E o que nos desce
caso fosse oferecer
É um ponto
Voltar
não tem pontos
Desta ladeira
escorrega fácil
feito este amor
tecido
e esquecido
tal como teia
que atrasa
dos ventos
não ter pontos
O que sinto
se sinto
não tem ponto
é fio que traça
é volta que quer ir
despontada
Numa serra
declinada
ladeira abaixo
Uma gota
que não sai
sem ter fim


segunda-feira, 1 de julho de 2013

Objeto

Estava o objeto branco, quase uma escada
lá naquele canto do muro
quase um varal
naquela varanda
Prateleira do espaço, cubos de concreto
Objeto
Casa
Uma janela fechada
Um chamado solto
No frio de seu piso de pedras
Concreto
Concreto
Treslouco
um pedaço de cão
Como antena
sintonizada
num canal
que transmite
o objeto
a casa
a quase escada
naquela quina

Rodeado em rede
cerca de ganchos
sustentam vasos
de verdes nauseados
a sair pelos furos imbecis
gotejam o cuidado
que permanece o mofo
cerca
cerca
cerca
o pescoço exposto
já sem penas
a veia que pulsa
naquele rosa
que grita
vermelho
a cair num prato
convulsão
se desfaz
as linhas
e o objeto cai.